Novo romance do escritor A.J. Barros documenta os 400 anos de escravidão e aponta para a dívida histórica que a sociedade ainda não pagou com trabalhadores que ajudaram a construir o mundo moderno

 

Por Suzana Ferreira

 

Foi preciso criar um romance de intrigas e mistérios para alcançar a dura tarefa de contar uma história sangrenta e cruel que ainda ecoa, não só pelos antigos porões escravagistas, mas em cada filamento de sociedade civilizada que conhecemos hoje. O autor A. J. Barros percorreu diversos países da África durante 10 anos e pesquisou, escreveu e juntou todos os fatos coletados em uma narrativa policial cheia de suspense, mistérios e ação.

 

A.J. Barros nasceu em 14 de agosto de 1939 na pequena Bálsamo, cidade com cerca de 10 mil habitantes localizada no interior de São Paulo, próxima a São José do Rio Preto. Formou-se em Direito e em Letras, lecionou e trabalhou no Ministério da Fazenda. Ao se aposentar, encontrou o tempo e espaço necessários para dedicar-se totalmente à escrita e lançou dois livros pela Geração Editorial, mesma editora do O Portão do Não Retorno, O Conceito Zero (2006) e O Enigma de Compostela (2009).

Ao realizar pesquisas com o objetivo de escrever um livro sobre o brasileiro Antônio Conselheiro, descobriu que após a abolição os escravos libertos recém-saídos das fazendas ficaram sem rumo e encontraram refúgio ao seguir o líder religioso nordestino em suas peregrinações. Em sua leitura obrigatória para conhecer mais sobre a figura mística, percebeu que o aclamado escritor Euclides da Cunha, ao retratar o povo sertanejo em Os Sertões, não mencionava nada sobre a escravidão. Isso o intrigou, e o fez mudar o foco em Conselheiro para buscar saber mais sobre a trajetória impiedosa de um povo que deu o sangue na construção de riquezas destinadas ao mundo branco.

Para o romancista, a humanidade apagou a história da África. “A história narra fatos recentes, após o período abolicionista, mas me pergunto como é que a narrativa sobre 400 anos de um genocídio que matou mais de 100 milhões de pessoas com requintes de crueldade é pouco encontrada nos livros de história”, diz Barros.

Descobertas na África

Com o objetivo de entender melhor esse processo de apagamento, o escritor começou a sua jornada pelo velho continente em busca de lugares desconhecidos e simbólicos para saber mais sobre esse povo. Logo conheceu os Dogons, grupo étcnico que se encontra próximo ao deserto do Saara, na região central do Mali, na África Ocidental. As aldeias dogon se estabeleceram há cerca de mil anos, quando os moradores se recusaram a se converter ao islamismo e retiraram-se então das áreas controladas pelo povo muçulmano.

 

Aldeias dogons, que se encontram deserto do Saara, na região
central do Mali, na África Ocidental. Foto Adobe Stock free.

Os dogons são mais conhecidos por suas tradicionais danças, e foi pela dança que o autor brasileiro ficou encantado. “Me encontrei em meio a um cenário indescritível, repleto de guerreiros vestidos de uma plumagem em cores vivas do vermelho ao azul, cobertos com enormes máscaras, carregando um escudo em uma mão e uma lança na outra. Eles passaram por mim ao som de tambor, enquanto as pessoas cantavam. Fiquei petrificado”, narra.

Mas ainda era preciso continuar a sua peregrinação em busca de descobertas e foi quando Barros conheceu a história de Timbuktu, cidade da idade média que foi engolida pelo deserto do Saara. No século XIV, segundo o autor, essa cidade era cinco vezes maior que Londres, na Inglaterra. A região hoje é reconhecida como depósito do saber, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Na época, abrigava um centro universitário que recebia a visitação de cerca de 50 mil estudantes. “Em Timbuktu o peso do livro valia mais que o peso do ouro”, lembra Barros.  A cidade era tão rica que chegou a fazer parte do reino do Mali, e era famosa pela quantidade de ouro que havia ali. Os manuscritos eram guardados com esmero e hoje existem cerca de 80 mil deles, reunidos em bibliotecas localizadas em cavernas, para evitar o risco de se perderem.

Em seguida, Barros conheceu a impressionante Lalibela, retratada no O Portão do Não Retorno. Quando os árabes tomaram Jerusalém, o rei da Etiópia construiu uma imitação da cidade de Jerusalém, para que houvesse a peregrinação. De acordo com o romancista, há um mistério nessa construção, pois no ano de 1200 não haviam ferramentas, e não há explicação para como os obreiros conseguiram um desempenho com tanta rapidez. “São 11 igrejas monolíticas erguidas pedra sobre pedra, de uma forma tão precisa que os cientistas até hoje não entendem como conseguiram esse feito”, conta.

 

 

O processo de construção do Portão do Não Retorno

Enquanto realizava seu percurso de pesquisas e descobertas históricas, o escritor se deu conta que seria muito difícil entrelaçar os fios da trama de forma que tivessem lógica. Ele queria contar a história da escravidão e falar das riquezas que o continente africano já abrigou, ao mesmo tempo prender a atenção do leitor. Nesse processo chegou a escrever 10 mil páginas. “Ao fazer a trama percebi que deveria descartar alguns episódios para tornar as coisas mais realistas. Eu podia trabalhar com a imaginação, mas eu também precisava usar a racionalidade. A imaginação é livre, mas é a racionalidade que liga os fatos”, explica.

 

Mas a parte mais difícil nessa trajetória, segundo Barros, foi a visita aos castelos e fortes, onde os negros viviam no período da escravatura. Do Golfo da Guiné, conhecido como costa do ouro, saíam navios negreiros transportando os escravos. Os portugueses chegaram nesses locais e ao ver que havia ouro, construíram-se fortes. De acordo com o escritor, no início os negros eram negociados para trabalhar nas minas e ouro e permanecerem lá, mas quando acabou o ouro não justificava mais esse envolvimento entre a Europa e a África, então eles partem para as terras férteis da América, e continua um lastro de explorações.

O tráfico de escravos permitiu que os negros fossem transportados e assim ergueram-se impérios no mundo ocidental. A mão de obra escrava passou a ser mais valiosa que o ouro. “Antes de partir, eles eram amontoados ali, armazenados como se fossem sacos de arroz, um sobre o outro. Dessa forma contraíram doenças e muitos morriam”, relata. Foi neste local inóspito que Barros teve a ideia para o título do livro, O Portão do Não Retorno. “Quando passavam por ali, nunca mais voltariam às suas terras de origem e para suas famílias”.

O ponto de partida do romance é o assassinato de um amigo de Maurício, personagem principal de todos os livros de Barros. Dessa vez, o cenário é a sede da Irmandade dos Homens Pretos, no largo do Paissandu, centro de São Paulo. Maurício quase chega a tempo de salvar seu amigo, que em seus últimos suspiros, Geraldo lhe passa uma missão enigmática. Na busca dos assassinos, Maurício acaba se envolvendo numa intriga internacional de mistério, ação, suspense e perigo.

“Todo poder e riqueza atuais têm um gene da escravidão”, conclui A.J. Barros. Como nos dois livros anteriores, a nova obra é uma narrativa policial cheia de suspense, mistérios e ação, resultado de rigorosas pesquisas e longas viagens, com o objetivo de reunir um material rico e conciso, que prende o leitor do início ao fim.

 

Capa do livro O Portão do Não Retorno

Serviço:

Livro: O Portão do Não Retorno (368 páginas)

Escritor A. J. Barros, escreve seu terceiro livro.

Editora Geração EditorialRomance, 2022.

Site: https://oportaodonaoretorno.com.br/

Booktriller: https://www.youtube.com/watch?v=WMnDy5eYaE0

Para adquirir esse livro e os outros do autor:

https://www.amazon.com.br/port%C3%A3o-do-n%C3%A3o-retorno/dp/6556470856/ref=sr_1_5?qid=1666282330&refinements=p_27%3AA.J.+Barros&s=books&sr=1-5

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